Onde foi parar a pobreza?

1 de November de 2024
Mulher-brasileira
Rafael Martins / PNUD Brasil

Polarização política, emergência do clima, crime organizado, migração e baixo crescimento econômico dominam atualmente o debate público na América Latina e no Caribe (ALC). Com razão. Porém, há um grande desafio estrutural para o desenvolvimento humano e a própria democracia que, além das desigualdades, se encontra nas raízes dessas crises: a pobreza.

Hoje, 181 milhões de pessoas, 29% da população na região, moram em condições de pobreza monetária, e 33 milhões sofrem com pobreza multidimensional aguda (considerando os países com dados disponíveis). Avançar rumo a uma ALC mais próspera e resiliente implica colocar a pobreza em todas suas formas e dimensões no centro do debate público e abordar novas respostas por meio de políticas públicas.

Nas décadas passadas, a região reduziu significativamente a pobreza ao usar as vantagens de crescimento econômico dirigido pelo ‘boom’ das commodities e a introdução de políticas públicas inovadoras focadas em solucionar esse problema, como transferências condicionais de recursos financeiros – esquemas em que dinheiro é dado a famílias em situação de pobreza em troca de investimentos específicos em desenvolvimento humano, como garantir a frequência escolar dos filhos ou a participação em campanhas de vacinação.

No entanto, essa tendência começou a se reverter dois anos antes da pandemia.

Revitalizar a agenda de redução da pobreza exige a retomada dessa capacidade inovadora e da vontade política. Já se fez isso no passado. É preciso fazer novamente. É possível. A proposta recente do Brasil para o G20 para promover a Aliança Global contra a Fome a Pobreza é um excelente passo nessa direção.

Para isso, será essencial entender melhor e medir as múltiplas formas e dimensões da pobreza, assegurar coordenação efetiva interinstitucional para o desenho e a implementação de políticas e refinar o direcionamento e a alocação de recursos por meio de novos instrumentos de planejamento.

Para garantir que as pessoas em situação de pobreza tenham a capacidade e as oportunidades de viver a vida que desejam, são necessárias ferramentas que captem suas realidades e experiências, inclusive as múltiplas privações que as afetam em diferentes dimensões do bem-estar e que vão além da falta de renda. 

Não ter acesso a educação, água, saúde, entre outros recursos, são privações significativas que podem, ou não, estar correlacionadas com ter dinheiro. Uma pessoa pode ter uma renda suficiente para não ser considerada pobre, mas não ter acesso à saúde pública porque não há um hospital perto de sua comunidade.

O Índice Global de Pobreza Multidimensional (MPI), lançado pelo PNUD e pela OPHI em 2010, complementa a medição e a análise da pobreza monetária extrema com informações sobre a situação das pessoas em várias dimensões socioeconômicas.

O MPI foi adotado por países ao redor do mundo como medida oficial de pobreza, complementando outras medidas baseadas em renda, e foca nas prioridades de cada país, convertendo-as em ferramentas eficazes de políticas públicas que permitem uma identificação mais precisa de quem são e onde estão as pessoas em situação de pobreza, e como isso varia de acordo com a idade, o gênero, o território e a etnia.

A América Latina tem sido pioneira em adotar MPI nacionais, com 12 países e duas grandes cidades – Cidade de México e Bogotá – e pode voltar a ser uma referência em redução da pobreza. O êxito das transferências condicionais de renda no passado significou um salto quantitativo na utilidade dos dados monetários sobre a pobreza.

Chegou a hora de replicar esse sucesso ao desenvolver novas políticas transformadoras que tenham o mesmo efeito sobre a utilidade dos dados multidimensionais, utilizando as vantagens do planejamento, a articulação das políticas e monitorando as possibilidades fornecidas pelas informações ricas obtidas pelo uso complementar das duas medidas. 

Em Honduras, por exemplo, dados multidimensionais foram usados para identificar melhor a população com as maiores vulnerabilidades como resultado da COVID-19 e para orientar melhor os apoios monetários. 

Por outro lado, uma articulação clara entre outras políticas nacionais e os objetivos de redução de pobreza será crucial para alcançar um maior impacto.

Políticas como as relacionadas a produtividade, energia ou mudança climática geralmente são definidas de forma setorial, apesar de seu potencial para acelerar a redução da pobreza. Esses vínculos precisam ser formalizados. 

É também importante convidar outros atores além do setor público a incorporar essas análises e ações para acelerar a redução da pobreza como parte de suas estratégias de desenvolvimento. 

Por exemplo, a associação colombiana de produtores de gás natural (Naturgas) criou um índice de municípios estratégicos que incorpora de uma maneira explícita uma dimensão de equidade que inclui variáveis relacionadas com a pobreza junto com as variáveis de negócios que as empresas privadas utilizam em suas decisões. Esse índice gera incentivos para investir em zonas de mais pobreza, respeitando a busca de lucro dessas empresas.

Se quisermos retomar o caminho da erradicação da pobreza em todas as suas dimensões, devemos colocar a pobreza e a desigualdade novamente na agenda pública, promovendo espaços de diálogo, colaboração e consenso em torno de políticas públicas inovadoras e transformadoras que nos permitam avançar em direção a sociedades mais igualitárias e inclusivas. 

Somente dessa forma estaremos no caminho certo para alcançar o desenvolvimento sustentável na ALC. Então, não esperemos mais para dar o salto de que precisamos em inovação pública para um bem-estar e desenvolvimento humano que não deixem ninguém para trás.