Repensando modelos de resposta a protestos sociais pacíficos na América Latina e no Caribe.
Para além do "comando e controle"
6 de August de 2024
Gloria Manzotti*
Emanuele Sapienza**
Luqman Patel***
O protesto social – quando realizado de maneira não violenta – é uma manifestação fundamental dos direitos humanos reconhecidos e protegidos pelo Direito Internacional, como o direito à liberdade de expressão, à liberdade de reunião pacífica e à liberdade de associação. Ao mesmo tempo, a possibilidade de participar de movimentos de protesto é essencial para exercer o direito de participar na condução dos assuntos públicos.
A mobilização social – em suas diversas formas, incluindo protestos – permite às pessoas exercer sua autonomia por meio de um vínculo de solidariedade com as outras. Por essa razão, os protestos desempenham papel fundamental na resolução inclusiva, participativa e pacífica de conflitos. Assim, uma abordagem para a gestão dos protestos baseada nos direitos humanos e na promoção do diálogo é fundamental para consolidar sociedades democráticas.
No entanto, na prática, muitas vezes as causas são confundidas com os sintomas, e há a tentativa de impedir os protestos em vez de abordar as tensões que os causaram. Como observado pelo Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, no documento "A Mais Alta Aspiração: um Apelo à Ação pelos Direitos Humanos":
"A sociedade é mais forte e resiliente quando homens e mulheres podem participar ativamente na vida política, econômica e social, [...] especialmente quando têm acesso à informação, podem dialogar, expressar discordâncias e se unir para expressar suas opiniões [...]. No entanto, em muitos lugares, o espaço para tal participação está sendo reduzido."
Diante do aumento e da intensificação de várias demandas de cidadania, na América Latina e no Caribe, têm sido observadas respostas altamente problemáticas aos protestos sociais. Em particular, o uso indevido da força pública tem levado a uma escalada da violência com consequências graves, incluindo perdas de vidas humanas.
A região viu um aumento de 18.531 protestos em 2019 para 24.371 em 2023 (um crescimento de 31,5%), atingindo um pico de 25.589 protestos em 2022, segundo o Armed Conflict Location & Event Data Project (ACLED). Esse aumento indica um exercício crescente do direito à liberdade de expressão, mas também destaca a necessidade de os Estados estarem preparados para lidar de forma positiva e construtiva com os protestos sociais.
Nesse contexto, é urgente desenvolver novas abordagens para a gestão dos movimentos de protesto, considerando-os como expressão da liberdade e da dignidade das pessoas e não apenas como um problema de ordem pública. É essencial que essas abordagens sejam genuinamente baseadas na proteção dos direitos humanos e, ao mesmo tempo, fortemente orientadas para a mediação e a transformação pacífica de conflitos.
Em outras palavras, é essencial ir além de uma abordagem restritiva de "comando e controle" – em direção a modelos de facilitação colaborativa e geração de consensos.
No documento "Protestos, direitos humanos e prevenção de conflitos: propostas para repensar os modelos de resposta estatal à mobilização social", publicado na Série de Documentos de Políticas Públicas do PNUD na América Latina e no Caribe, apresentamos uma relação de propostas de reforma possíveis, estruturadas nos seguintes eixos:
• Promover arcabouços normativos para a gestão de protestos sociais baseados em direitos humanos.
• Promover modalidades de gestão de protestos baseadas no princípio de facilitação colaborativa e de inovação digital.
• Reforçar o conhecimento, as capacidades e as habilidades das instituições e suas funcionárias e funcionários para a transformação institucional.
• Intensificar os esforços de capacitação e prestação de contas das instituições do setor de segurança e justiça, com foco em direitos humanos e sensibilidade de gênero.
• Fortalecer os mecanismos de equilíbrio para a formação e a prestação de contas de atores estatais relevantes.
• Potencializar os espaços regionais e nacionais da agenda temática.
Com essas recomendações, esperamos contribuir para o desenvolvimento de novos modelos de gestão da resposta institucional diante da mobilização social, reconhecendo o protesto como um mecanismo legítimo para a expressão de demandas cidadãs e fortalecendo mecanismos horizontais de responsabilização.
No âmbito de seu trabalho em governança e paz, e com base nos ideais de desenvolvimento humano que fundamentam seu mandato, o PNUD reafirma seu compromisso em colaborar com todos os atores relevantes na construção desses modelos.
* Especialista em políticas de Estado de Direito, Segurança Cidadã e Direitos Humanos para o PNUD na América Latina e no Caribe.
** Líder Global - Esfera Pública aberta e inclusiva.
*** Especialista do Programa Regional de Paz e Desenvolvimento.