Programa de educação ambiental elabora projetos de impacto nos territórios.
Juventude piauiense no combate à desertificação
17 de December de 2024
O piauiense Marcos Vinicios Gama, de 17 anos, cursa o terceiro ano do Ensino Médio em uma escola pública de Barreiras do Piauí, município no sul do estado, suscetível à desertificação. Filho de produtores rurais, Marcos experimenta em seu dia a dia um fenômeno que atinge diretamente os meios de vida de sua família.
Buscando enfrentar os desafios também compartilhados por sua comunidade, o jovem participa neste ano de um programa de educação ambiental no qual elaborou projetos de impacto local. A iniciativa é desenvolvida pelo Governo do Piauí com apoio do PNUD, que firmou parceria com a Secretaria de Educação e a Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do estado.
“Os principais problemas ambientais da minha cidade são as queimadas e o mau uso da água”, afirma o jovem, completando que no programa realizado neste ano pôde elaborar um projeto de lei aprovado pela Câmara dos Vereadores de seu município para criar uma semana de conscientização sobre reflorestamento e uma campanha em parceria com uma estatal alertando sobre a importância da limpeza frequente de caixas d’água.
Assim como Marcos, outros 24 estudantes de escolas públicas — em sua maioria adolescentes negros dos municípios de São Gonçalo do Gurgueia, Gilbués, Riacho Frio, Corrente e Barreiras do Piauí, localizados na Chapada das Mangabeiras — assistiram a dez horas semanais de aulas extracurriculares, recebendo uma bolsa mensal de 200 reais. Ao longo do ano, apresentaram projetos para melhorar a situação socioambiental de seus municípios.
As aulas destrincharam conceitos ambientais, a Agenda 2030 e os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e tiveram foco em quatro temas: gestão de recursos hídricos, de resíduos sólidos, combate às queimadas e recuperação de áreas degradadas. Os jovens foram selecionados com base em critérios envolvendo seu rendimento escolar, tempo de engajamento em projetos socioambientais e habilidades comunicacionais.
A primeira etapa do programa envolveu a capacitação de 239 professores e gestores da educação dos cinco municípios envolvidos. Os profissionais trabalharam os temas ambientais em sala de aula o ano inteiro, de forma interdisciplinar.
Ao longo do ano, os alunos envolvidos no programa também ministraram palestras para outros 1,6 mil estudantes da rede pública dos mesmos municípios sobre recursos hídricos e recuperação de áreas degradadas, enquanto as atividades sobre gestão de resíduos sólidos serão desenvolvidas até o fim de dezembro de 2024.
“O maior benefício do programa foi ter uma visão mais ampla dos problemas relacionados ao meu município. As capacitações também foram importantes para minha profissionalização na área de meio ambiente”, declara a estudante de Gilbués (PI) Ângela Maria Siqueira, de 19 anos.
Desertificação no Nordeste – As cidades beneficiadas pela iniciativa estão suscetíveis à desertificação, processo de degradação ambiental em áreas áridas, semiáridas e subúmidas secas da Terra, resultante de atividades humanas e variações climáticas. O fenômeno amplia os efeitos da mudança global do clima por meio de alterações na cobertura vegetal, tempestades de areia e fluxos de gases de efeito estufa.
No Brasil, 94% do semiárido nordestino está sujeito à desertificação, segundo relatório de 2023 do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Estima-se que até 50% da região tenha sido degradada devido a secas prolongadas frequentes e desmatamento, o que ameaça a extinção de cerca de 28 espécies nativas.
A Chapada das Mangabeiras é uma formação do relevo localizada na divisa entre Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, com mais de 800 metros de altitude. O clima da região é marcado pelo período seco (de maio a novembro) e chuvoso (de dezembro a abril).
O período de agosto a outubro é o mais crítico em relação à seca e aos focos de incêndio. O solo é principalmente arenoso, recoberto por cerrado arbustivo e por campos sazonais, bem como por matas de galeria, veredas e caatingas. As mangabeiras que dão nome à Chapada são árvores de médio porte cujo fruto mangaba é muito apreciado na região.
A piauiense Emanuele Neres Lira, de 16 anos, cursa o segundo ano do Ensino Médio em uma escola pública de Barreiras do Piauí. Filha de mãe enfermeira e pai professor, deseja estudar em Brasília (DF) para se tornar médica. Paralelamente, encontrou no programa de educação ambiental do PNUD e do governo estadual uma possibilidade de agir localmente.
Emanuele é uma das 19 meninas que participam da iniciativa. “Fiquei interessada no curso porque é algo que me trouxe aprendizado, conhecimento que levo para as pessoas da minha cidade”, diz.
O programa teve como resultados concretos projeto de lei elaborado pelos estudantes e aprovado pela Câmara dos Vereadores de três municípios — Riacho Frio, Gilbués e Barreiras do Piauí — e em tramitação em Correntes e São Gonçalo do Gurgueia. O projeto prevê a instituição da Semana da Árvore na segunda semana do ano letivo, em fevereiro.
Trata-se de uma mudança em relação à data observada nacionalmente para o Dia da Árvore — 21 de setembro. A alteração foi sugerida pelos estudantes, uma vez que campanhas de plantio de árvores que caracterizam a efeméride têm mais efeito quando realizadas no período chuvoso no Nordeste, e não na seca (setembro).
Outras conquistas incluíram uma campanha de conscientização sobre a importância da limpeza de caixas d’água, proposta apresentada pelos alunos e aprovada pela Empresa de Águas e Esgotos do Piauí S/A (Agespisa) em Barreiras do Piauí. Escolas estaduais também serão beneficiadas com a implantação de viveiros e de sistemas de captação e armazenamento de água pluvial e de água condensada de aparelho de ar-condicionado.
Um plano de gerenciamento de resíduos sólidos para as escolas públicas foi apresentado em novembro, de forma a articular o trabalho de coleta com catadores de materiais recicláveis, que serão localizados e mapeados pelos alunos na Chapada das Mangabeiras.
“Foi muito importante as Câmaras dos Vereadores das cidades terem aprovado o projeto sugerido por nós, estudantes, assim como a campanha de limpeza de caixas d’água pela Agespisa. Ficamos muito satisfeitos com o resultado e viramos referência local em temas ambientais”, declara o estudante Marcos Vinícios.
Para o consultor contratado pelo PNUD para coordenar o programa de educação ambiental, o geógrafo Jairo Galvão de Araújo, o programa foi chave para dar protagonismo juvenil às questões socioambientais dos territórios.
“É muito satisfatório trabalhar com um grupo de jovens e ver a evolução do entendimento deles sobre o próprio município, vê-los pautando e organizando soluções. Os estudantes nunca imaginaram que poderiam pautar uma lei”, diz.
“É isso que vale o meu trabalho: saber que quando vamos encerrar o programa, vamos ter jovens que continuarão atuando na pauta socioambiental.”
Educação ambiental – Iniciado em outubro de 2023, o Programa de Educação Ambiental teve como resultado um conjunto de cartilhas sistematizadas para professoras e professores interessados em replicar a experiência no Piauí e além.
O programa teve três grupos de beneficiados: jovens bolsistas de 15 a 19 anos de escolas municipais ou estaduais que tiveram aulas extracurriculares; alunas e alunos de escolas municipais na faixa de 7 a 15 anos que assistiram às palestras dos primeiros durante o turno escolar; professores e administradores das escolas estaduais e municipais dos cinco municípios que receberam capacitações.
Os jovens bolsistas foram selecionados por edital e assinaram termo de compromisso para desenvolver atividades nas temáticas do programa e trabalhar com os alunos mais jovens das escolas municipais. A logística e a aquisição de materiais foram financiadas pelo projeto de PNUD e governo piauiense.
Para cada um dos temas das capacitações, os jovens compartilham suas perspectivas sobre como veem a situação de seu município. Foram posteriormente estimulados a elaborar um diagnóstico e um plano de trabalho para a implementação de soluções.
Além de qualificar os jovens social e profissionalmente, o programa propicia o desenvolvimento da autoestima e do sentimento de pertencimento familiar e comunitário.
“Meus pais trabalham com roça, vendem milho, feijão, banana, mamão”, conta a piauiense Ana Vitória Tavares, de 19 anos, aluna do programa. “Quero levar para a comunidade o conhecimento do curso, sobre a importância do meio ambiente”, completa a jovem, que pretende fazer vestibular em Goiânia (GO) para se tornar veterinária ou fisioterapeuta.
“Para combater e se adaptar ao cenário de desertificação, é crucial trabalhar com os jovens, pois eles têm o potencial de adotar e disseminar práticas sustentáveis”, afirma a coordenadora do escritório do PNUD no Piauí, Aline Bacelar.
Após a fase de capacitação, os alunos mobilizaram parceiros para seus projetos, focados em recuperação de áreas degradadas, auxiliando a gestão pública nas ações de manejo das áreas verdes protegidas e buscando recuperar a vegetação ou acelerar seu crescimento para o restabelecimento de suas condições naturais.
Os jovens também contribuíram com a execução de projetos de educação ambiental, com vistas a ampliar a consciência dos alunos da rede pública e das comunidades, a exemplo da coleta seletiva, arborização, campanha contra as queimadas, contra ocupações irregulares em Áreas de Preservação Permanente (APPs) e em defesa de recursos hídricos.
As iniciativas também são voltadas à conservação da biodiversidade do Cerrado, mediante a execução de ações que promovem, respeitam e valorizam os recursos naturais e ecossistemas, bem como com a realização de atividades de reflorestamento, de proteção de espécies da fauna e da flora e de manejo sustentável nos espaços naturais.
Clique aqui para assistir ao documentário sobre o programa de educação ambiental.
Sobre o projeto
A iniciativa de educação ambiental faz parte de um projeto mais amplo, iniciado em 2022, denominado “Desenvolvimento Sustentável de Áreas de Desertificação no Sul do Piauí”, que atende as cidades mais suscetíveis ao processo de desertificação do estado.
O projeto foi lançado por PNUD e Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Piauí (Semar), financiado por uma empresa de energia renovável.
Nesse contexto, a região da Chapada das Mangabeiras foi considerada prioritária para a iniciativa “ODS Piauí”, elaborada pelo governo estadual e o PNUD para impulsionar a Agenda 2030 e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) nos territórios.
O projeto estrutura-se em quatro eixos. O primeiro inclui diagnóstico sobre a situação socioeconômica dos municípios e seu potencial do desenvolvimento territorial sustentável com base nos ODS a partir da análise dos Planos Plurianuais (PPA).
Clique aqui para acessar os diagnósticos dos municípios da Chapada das Mangabeiras.
O segundo eixo foi a capacitação de comunidades, agentes públicos e multiplicadores em práticas de associativismo, uso de técnicas para manejo sustentável do solo e da água para a agricultura e pecuária sustentável e em tecnologias sociais. As oficinas ocorreram em agosto de 2023 e reuniram dezenas de participantes. Nessa etapa, foi iniciado o programa de educação ambiental.
Já o terceiro eixo envolveu a assinatura de uma carta acordo entre PNUD e a Universidade Federal do Piauí (UFPI), por meio da Fundação Cultural e de Fomento à Pesquisa, Extensão e Inovação (Fadex), para o mapeamento de tecnologias sociais já adotados na região da Chapada das Mangabeiras para sua posterior replicação.
Clique aqui para acessar o diagnóstico sobre inovação e segurança hídrica no sul do Piauí.
O projeto aborda ainda a igualdade de gênero em todas as suas etapas como forma de empoderar meninas e mulheres nos territórios, contribuindo para alcançar resultados mais efetivos na produção de alimentos e na geração de renda.
“Nossa principal conquista foi capacitar os estudantes para que se tornem agentes de mudança, promovendo a conservação dos recursos naturais, levando em conta o bioma local. Com o apoio de todos, podemos fazer a diferença e garantir um futuro mais sustentável”, concluiu a coordenadora do escritório do PNUD no Piauí.
Acesse abaixo diagnóstico e Avaliação Rápida Integrada (RIA) dos municípios do projeto:
Avaliação Rápida Integrada (RIA) - Barreiras do Piauí (PI)
Avaliação Rápida Integrada (RIA) - Corrente (PI)
Avaliação Rápida Integrada (RIA) - Gilbués (PI)
Avaliação Rápida Integrada (RIA) - Riacho Frio (PI)
Avaliação Rápida Integrada (RIA) - São Gonçalo do Gurgueia (PI)
Diagnóstico Situacional - Barreiras do Piauí (PI)
Diagnóstico Situacional - Corrente (PI)
Diagnóstico Situacional - Gilbués (PI)