Investimentos em transição energética precisam beneficiar comunidades locais, diz especialista do PNUD

Para Carlos Salgado, governos e empresas devem consultar comunidades e compartilhar benefícios dos empreendimentos em renováveis.

14 de June de 2024
Carlos Salgado PNUD

“Só escalar o investimento em renováveis não nos leva ao desenvolvimento desejado. É preciso também garantir que o investimento tenha impacto socioambiental e econômico positivo”, afirma Carlos Salgado.

Crédito foto: Luciana Bruno / PNUD Brasil.

É essencial que governos e setor privado considerem a perspectiva socioambiental na hora de projetar empreendimentos da transição energética na América Latina e no Caribe e garantir que os benefícios sejam compartilhados com as comunidades locais. 

O alerta foi feito pelo especialista regional de energia do PNUD para América Latina e o Caribe, Carlos Salgado, na Conferência Internacional de Tecnologias das Energias Renováveis (Citer), realizada no início deste mês em Teresina, no Piauí.

A conferência discutiu a pressão crescente da mudança global do clima e da guerra da Ucrânia sobre os sistemas energéticos mundiais. Na ocasião, o PNUD Brasil pediu um aumento do investimento público e privado para transformar os sistemas energéticos em apoio a uma transição energética justa.

Os investimentos globais anuais em energia limpa necessários para atingir “emissões líquidas zero” até 2050 precisam triplicar até 2030, para US$4 trilhões. Para apoiar os países, o PNUD criou o Hub de Energia Sustentável, que tem desenvolvido soluções de financiamento às energias renováveis para países latino-americanos e caribenhos. 

Isso inclui o aproveitamento de tecnologias de baixo carbono, a redução do risco dos investimentos e a promoção de modelos de negócio e mecanismos financeiros inovadores, com foco em ampliar o uso produtivo da energia para melhorar a qualidade de vida das populações. 

“Só escalar o investimento em renováveis não nos leva ao desenvolvimento desejado. É preciso também garantir que o investimento tenha impacto socioambiental e econômico positivo”, disse Salgado durante o painel “Oportunidades em Inovação e o Financiamento das Energias Renováveis”. 

Segundo ele, as próprias ferramentas de financiamento devem levar em conta as diferentes dimensões do desenvolvimento sustentável (climática, ambiental, financeira, econômica, social, governabilidade e gênero) como critério para a concessão de crédito aos empreendimentos de energia renovável.

Além do impacto a comunidades locais e de contratos de arrendamento de terras que podem prejudicar pequenos proprietários rurais, alguns projetos solares e eólicos têm sido alvo de escrutínio da sociedade civil latino-americana e caribenha por aumentarem o desmatamento em biomas já vulneráveis. 

No ano passado, empreendimentos de energia renovável causaram a destruição de 4,5 mil hectares – equivalentes a quase 30 vezes a área do Parque Ibirapuera, em São Paulo – de vegetação nativa no país, segundo dados da iniciativa MapBiomas. 

Além de mitigar tais efeitos negativos, é necessário priorizar investimentos para a transição energética, como é o caso da energia renovável e do hidrogênio verde, no sentido de impulsionar a industrialização do Nordeste e a geração de renda e de empregos, sinalizou o especialista.

“As barreiras para escalar as energias renováveis não são somente financeiras. As barreiras não financeiras são muitas vezes mais importantes. Hoje, o risco social é um dos grandes riscos de investimento da transição energética. Por isso, é necessário priorizar consultas com comunidades locais e compartilhar os benefícios dos investimentos. Isso é muito importante”, declarou Salgado.

“Temos exemplos na América Latina de projetos que foram bloqueados ou cancelados por falta de consulta às comunidades locais. É essencial ter essa perspectiva social na hora de desenhar o investimento e ver o que as populações podem ganhar com isso.”

Como parte do Diálogo de Alto Nível sobre Energia de 2021, o PNUD comprometeu-se a catalisar parcerias, conhecimento, inovação e financiamento para aumentar o acesso à energia para mais 500 milhões de pessoas no mundo, como também acelerar a transição energética em países em desenvolvimento até 2025.

Com mais de 45 painéis simultâneos, feira de negócios e atividades de educação ambiental, a Citer reuniu milhares de pessoas de forma online e presencial na capital piauiense para discutir formas de avançar na transição energética, proporcionando diálogos entre os diferentes setores da sociedade.

A Citer foi patrocinada pelo governo do Piauí e realizada pelo Instituto de Cooperação Internacional em Meio Ambiente (ICIMA), com apoio de 21 organizações parceiras. O papel do PNUD no evento foi atuar na curadoria dos palestrantes e garantir a participação de sociedade civil, setor privado, setor público e academia nos diálogos.

Carta-compromisso

Um dos resultados da conferência foi a assinatura de uma carta-compromisso na qual os correalizadores da Citer se comprometem a promover o desenvolvimento das energias renováveis, por meio da atração de parceiros e investimentos estratégicos no setor.

A carta também menciona o compromisso com uma transição energética justa que tenha como base a Agenda 2030 e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), por meio do fomento do diálogo entre os diversos setores da sociedade.

“Este documento surge como resultado da ampla contribuição da Citer Piauí 2024 e visa delinear novos caminhos, compromissos e estratégias, a fim de posicionar o Piauí como um líder no setor de energias limpas e contribuir para um futuro mais sustentável, próspero e socialmente justo”, afirma a carta-compromisso.

No estado, o PNUD implementa o projeto “Desenvolvimento Sustentável de Áreas de Desertificação no Sul do Piauí”, que beneficia municípios da Chapada das Mangabeiras, região fortemente afetada pelo processo de desertificação.