Relatório do PNUD avalia desenvolvimento humano no Brasil antes e depois da pandemia de covid-19

Lançamento marca os 25 anos do IDH no país e aponta para necessidade de enfrentar desigualdades de raça e gênero.

29 de May de 2024

Apesar de comporem a maior parcela populacional (28,5%), as mulheres negras recebem 16% do total de rendimentos, enquanto os homens negros recebem 24,1%; as mulheres brancas, 24,7%; e os homens brancos, 35,1% (em 2021).

PNUD Brasil/Rafael Martins

Ao comemorar os 25 anos da agenda do desenvolvimento humano no Brasil, o PNUD lançou na terça-feira (28/5) o relatório especial “Construir caminhos, pactuando novos horizontes”, em que avalia o cenário de antes e depois da pandemia de covid-19 e aponta para o futuro, alertando que “o progresso desigual no desenvolvimento humano não permitirá responder às aspirações das pessoas, nem habilitar a transição para o alcance das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). O caminho depende sobretudo das decisões de políticas tomadas hoje”. Representantes do PNUD, do governo federal, da sociedade civil, do setor privado, de organismos internacionais, do Sistema ONU, de embaixadas, da academia e da imprensa participaram do lançamento em Brasília.

Logo na introdução, o relatório destaca que a pandemia de covid-19 demonstrou que, nos países com padrões de desenvolvimento desiguais – como o Brasil –, as crises serão ainda mais graves e, portanto, “o debate sobre como a equidade contribui para o progresso das sociedades é crucial no caminho em direção a uma sociedade pacífica e deve redefinir as prioridades políticas dos países”.

Na abertura do evento de lançamento, do qual participaram a ministra da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck; o representante do PNUD no Brasil, Claudio Providas; e a coordenadora da Unidade de Desenvolvimento Humano do PNUD no Brasil, Betina Barbosa; Providas destacou: “A primeira recomendação é a aceleração. O Brasil tem muita expertise, muita pesquisa e pode fazer melhor. A América Latina é o único continente que ainda não está crescendo depois da pandemia. O país precisa realmente apressar seus planos das transições ecológicas que ele mesmo propõe. Precisa de uma nova economia baseada no conhecimento, mais inclusiva com o meio ambiente e, sobretudo, uma mensagem de redução da desigualdade. A desigualdade no Brasil tem estruturas que perpetuam a desigualdade”.

A ministra Esther Dweck fez um paralelo entre a reação da administração pública na crise sanitária de 2019 a 2021 e a da tragédia causada pelas enchentes no Sul do país neste ano. “Eu acho que, do ponto de vista do Ministério da Gestão, que ocupo hoje, é impossível não refletir sobre a questão da gestão pública na forma de lidar com tragédias e a maneira como pode-se ter efeitos melhores ou piores. E aí eu queria comparar com o Rio Grande do Sul, porque o grau de cooperação federativa neste momento é das 3 esferas de poder se apoiando para fazer soluções importantíssimas neste momento. Então, o governo federal tem tido uma gestão da crise de tentar pensar para além da questão do Rio Grande do Sul. Um exemplo específico é a uma alteração legislativa que a gente fez na questão de contratações em situações de calamidades, que a lei brasileira não dava a segurança necessária para tomar decisões numa situação de calamidades.”

Entendendo que as desigualdades são um obstáculo à implementação da Agenda 2030, o PNUD Brasil trouxe em 2022 o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal Ajustado à Desigualdade (IDHMAD). Ao levar em conta o padrão de desigualdade, os dados proporcionaram um cenário mais realista: a perda no desenvolvimento humano medidas pelo novo índice foi de 22,5%.

Gênero e raça – Para aprofundar o entendimento sobre as desigualdades brasileiras, o PNUD investigou, com dados para 2021, o recorte populacional mais vulnerável do Brasil: as mulheres negras. A análise permitiu observar discrepâncias extremas que não aparecem quando analisados os indicadores pela média do país — ou mesmo pela performance média da população negra ou da população de mulheres.

“As evidências no relatório nos permitem dizer, por exemplo, que há uma composição em extratos da sociedade, que revelam um Brasil muito mais frágil. E esse Brasil mais frágil, mais vulnerável, onde ele se encontra? Em domicílios que são domicílios chefiados por negros, ou seja, por pretos ou pardos. E na sua maioria a fragilidade também se acentua quando esses domicílios são chefiados por mulheres negras. São nesses domicílios que encontramos padrões de desenvolvimento humano com mais vulnerabilidade. Ou seja, níveis educacionais mais baixos, menos acesso à renda, esperança de vida mais baixa, níveis educacionais mais baixos também. Então, essa é uma preocupação nossa”, destacou Betina Barbosa.

Apesar de comporem a maior parcela populacional (28,5%), as mulheres negras recebem 16% do total de rendimentos, enquanto os homens negros recebem 24,1%; as mulheres brancas, 24,7%; e os homens brancos, 35,1% (em 2021). Além da renda, o relatório expõe outros desafios enfrentados pela parcela de mulheres negras no Brasil, como menos possibilidades de estudo, participação precoce no mercado de trabalho, maior exposição à violência e menor longevidade – fatores que reforçam a vulnerabilidade e dificultam a mobilidade social por muitas gerações.

Diz o relatório: “No Brasil, desafiar as normas sociais que carregam preconceitos de raça e gênero é uma escolha que se impõe. Para impulsionar a mudança em direção a uma maior igualdade para as mulheres negras, é necessário expandir o desenvolvimento humano por meio de investimentos, garantias e inovação. Educação, reconhecimento e representação adequada podem impulsionar os processos de inclusão e combater diretamente as normas sociais, de raça e gênero, discriminatórias”.

A ministra Esther Dweck destacou o empenho do governo federal para que seja aplicada em todos os setores a Lei da Equidade que garante salários iguais para homens e mulheres que desempenham as mesmas funções. 

Para um futuro com mais equidade, o documento indica que é crucial investir em educação. Com metas pactuadas no tempo, o resultado desse investimento será simultaneamente mais capacitação para o mundo do trabalho, aumento nos rendimentos e maior distribuição da renda.

O uso intenso das novas tecnologias, com a revolução digital, é apontado pelo PNUD como uma capacidade avançada necessária para o país lidar com as agendas do futuro. “São os avanços nas capacidades avançadas que determinarão se os países e as pessoas serão capazes de tirar partido das oportunidades do século 21, de se ajustar à economia do conhecimento e de lidar com crises e choques”.

Ações de governança compartilhada e suas ferramentas habilitam o país no enfrentamento das crises e, portanto, são ações portadoras de futuro. Um exemplo disso, aponta o relatório, foi visto no Brasil durante a crise da covid-19, entre 2020 e 2021. Na Região Nordeste, onde os estados exibem os IDHM mais baixos no país, foram constituídos instrumentos de governança pactuada que combinaram conhecimentos avançados, novas tecnologias em gestão e sistemas da informação, produzindo um conjunto de políticas que resultaram em uma menor taxa de mortalidade por covid-19.

Efeitos da pandemia – A Região Nordeste teve perdas menos expressivas na dimensão longevidade do IDHM e no desenvolvimento humano. Dados do painel Covid-19 PNUD apontam que, se a taxa de mortalidade pela covid-19 fosse a do Estado do Maranhão (com o IDHM mais baixo do Brasil), o país teria contabilizado aproximadamente metade dos óbitos efetivamente verificados no período 2020/2021.

No Brasil, conclui o documento do PNUD, as dimensões do desenvolvimento humano comprometidas com a educação, a longevidade e a renda precisam possibilitar a expansão de novos horizontes, impulsionando o avanço dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). “Isso porque, sob o espectro da crise climática e das arrebatadoras mudanças tecnológicas ou mesmo crises sistêmicas, como a da covid-19, as desigualdades no desenvolvimento humano têm assumido formas, no século 21, que ainda espelham uma fraca distribuição de oportunidades iguais entre homens e mulheres, negros e brancos, entre outras”.

A Unidade de Desenvolvimento Humano do PNUD Brasil também fez uma análise comparativa, observando a taxa de mortalidade nos estados e mantendo, como referência, as taxas dos países, de acordo com o ranking mundial de mortalidade pela covid-19. Se os estados brasileiros fossem países, seriam 12 dos primeiros 20 “países” com as mais elevadas taxas de mortalidade pela doença. O relatório verificou ainda que, dentre as dez mais altas taxas de mortalidade (por 100 mil habitantes) nos países pesquisados, em 2021, quatro seriam de estados brasileiros – Rio de Janeiro (402,4), Mato Grosso (396), Rondônia (378,9) e Distrito Federal (368,4).

Recomendações – O relatório, por fim, faz diversas recomendações a gestores públicos e à sociedade em geral. Por exemplo:

1. Repactuar o desenvolvimento humano implica ampliar as conquistas em educação, saúde e renda para um número maior de pessoas e organizar a sociedade para a transição do futuro, o que exige incorporar estratégias para o alcance de necessidades próprias ao século XXI, que precisam incorporar elementos da revolução digital, e as ameaças das crises sanitárias e climáticas, entre outras.

2. Promover conquistas nas agendas de desenvolvimento humano com foco específico em raça e gênero no país, prerrogativa sem a qual não há possibilidade de avanço.

3. Promover o uso intensivo de novas tecnologias na preparação para o futuro e para superar novas crises, assim como estratégias de governança pactuada em torno da construção de bens públicos comuns que fortalecem os valores da democracia.

Acesse a íntegra do relatório aqui:  https://www.undp.org/pt/brazil/publications/relatorio-especial-2023-25-anos-desenvolvimento-humano-no-brasil