A jornada de um jornalista em meio à guerra, à perda e à esperança inabalável
Vozes da linha de frente
9 de January de 2024
Nos desolados cantos ao sul de Rafah, em meio ao frio cortante do inverno, Mustafa Al-Bayed, um tenaz correspondente de televisão, tece uma história de resiliência contra o pano de fundo de uma guerra implacável na Faixa de Gaza. Dentro dos limites de uma humilde tenda de plástico, erguida meticulosamente com suas próprias mãos, Mustafa busca refúgio para sua família – um abrigo nascido da terrível necessidade do deslocamento forçado.
“Dezesseis anos de cerco à Faixa de Gaza, marcados pela ocupação contínua, me obrigaram a seguir uma carreira na mídia, com o objetivo de transmitir as mensagens e preocupações do meu povo ao mundo por meio da mídia internacional", diz Mustafa. "Ao me formar na Universidade Al-Azhar e passar por vários treinamentos de mídia, entrei oficialmente na área em 2005.”
A carreira de Mustafa como jornalista tem sido definida pelo conflito em Gaza há muito tempo. A guerra, inesperada e brutal, o colocou em um papel imprevisto como correspondente na linha de frente do conflito.
Vestido com seu traje de imprensa, Mustafa correu de sua casa para seu escritório perto do Complexo Médico Al-Shifa quando a guerra estourou. Reportando ao vivo o desenrolar dos acontecimentos em Gaza, ele enfrentou o duplo desafio da dedicação profissional e a preocupação constante com a segurança de sua família em meio aos ataques aéreos israelenses e ao conflito implacável.
“Ser jornalista em tempos de guerra traz um conjunto especial de desafios", diz Mustafa. "Embora eu me dedique a minha profissão, a preocupação com a segurança da minha família diante dos ataques aéreos e do conflito prolongado está sempre presente. Ao longo de minha carreira, estive longe de casa por longos períodos, mas essa guerra aumentou a ansiedade da minha família. Ao transmitir notícias do Complexo Médico Al-Shifa, enfrentei o perigo em primeira mão, com projéteis caindo nas ruas da Cidade de Gaza.”
O principal objetivo de Mustafa é transmitir as histórias e as lutas de seu povo para o palco global.
“Um dos momentos mais difíceis ocorreu quando descobri que nove membros da minha família haviam sido vítimas de ataques aéreos israelenses", afirma. "Equilibrar as exigências do meu trabalho com a dor pessoal de relatar a tragédia da minha própria família foi uma luta imensa.”
“À medida que a situação se agravava, pedi a minha família que se mudasse para áreas mais seguras, primeiro para Deir al-Balah, depois para Khan Yunis, no Hospital Nasser. A perseguição israelense às famílias dos jornalistas forçou minha família a se mudar novamente, desta vez para Rafah, perto do Hospital Kuwaitiano, onde agora moramos em uma tenda.”
“Em meio ao caos, meu compromisso de transmitir o sofrimento do meu povo ao mundo permaneceu firme”, declara Mustafa. “A situação humanitária em Gaza é terrível, com dezenas de milhares de famílias buscando refúgio em Rafah, perto da fronteira egípcia, e nas escolas da UNRWA (agência da ONU de apoio a refugiados palestinos). A falta de alimentos, suprimentos médicos, roupas de inverno e tendas exacerba uma realidade que já é dura.”
Enquanto Mustafa continuava a enfrentar os desafios de reportar a guerra, o custo para os jornalistas em Gaza tornou-se evidente. O Escritório de Direitos Humanos da ONU no território palestino ocupado verificou o assassinato de 50 jornalistas e profissionais de mídia em Gaza, e muitos outros relatos de morte estão sendo investigados. Esse número assustador corresponde a aproximadamente 6% das pessoas registradas no Sindicato dos Jornalistas em Gaza. A Faixa de Gaza, ao que parece, é o lugar mais mortal do mundo para jornalistas e suas famílias.
A morte de jornalistas, juntamente com os bombardeios contínuos, as operações terrestres e os problemas de conectividade prejudicaram a capacidade dos profissionais de mídia de cobrir os eventos e transmitir a realidade de Gaza para o mundo. Mustafa, assim como muitos de seus colegas, continuou a trabalhar, motivado pela urgência de compartilhar a difícil situação de seu povo.
“Interrupções na comunicação, quedas de energia e desligamentos da Internet complicam ainda mais nosso trabalho como jornalistas”, relata Mustafa. “No entanto, fazemos todos os esforços para relatar os acontecimentos, mesmo na ausência de informações em tempo real. As preocupações com a segurança se intensificaram, com os profissionais de mídia, inclusive eu, se tornando os principais alvos. O custo para os jornalistas durante esta guerra é evidente.”
As condições em Gaza continuam a se deteriorar, com metade da população passando fome severa. O Programa Mundial de Alimentos revelou que apenas 10% dos alimentos necessários para 2,2 milhões de pessoas entraram em Gaza nos últimos 70 dias. Pessoas, desesperadas por suprimentos, foram vistas pulando nos caminhões de ajuda.
“Enquanto continuo enfrentando todos os desafios, minha mensagem principal é um apelo pelo fim dessa guerra e do derramamento de sangue nas ruas de Gaza. Imploro à comunidade internacional que encontre uma solução justa e equitativa para pôr fim ao sofrimento”, diz ele.
“O povo de Gaza merece viver em paz e segurança, assim como qualquer outra população do mundo. Minha esperança é de uma vida com uma nova realidade, onde possamos abraçar nossas famílias sem medo, longe dos sons assustadores de bombardeios e ambulâncias.”
Quando o frio intenso e a chuva do inverno inundaram tendas e abrigos improvisados, a adversidade lançou uma longa sombra sobre a família de Mustafa Al-Bayed. No entanto, em meio a tudo isso, ele tem dado provas de resiliência, ao criar um santuário para proteger seus entes queridos dos perigos e do frio da incerteza que paira no ar.