Percepções comportamentais sobre espaços de prestação de serviços públicos na Guiné-Bissau
18 de August de 2022
Em junho de 2021, o Laboratório de Aceleração do PNUD Guiné-Bissau embarcou em uma jornada com o Ministério da Justiça (MJ) e o Alto Comissariado para a COVID-19, para remodelar o serviço de Cartório por meio de métodos participativos. Leia mais sobre o processo em nosso post anterior AQUI.
Neste ciclo de aprendizagem, partimos para explorar como a cocriação, o design participativo e o Design Thinking podem ser usados como ferramentas para criar processos que melhorem a prestação de serviços públicos. Como resultado do enquadramento do desafio, quisemos conhecer o impacto do espaço físico (Cartório Notarial) nos funcionários e usuários.
O Cartório Notarial foi escolhido como área principal, por ser o prestador de serviços mais movimentado do Ministério da Justiça de Bissau. No total, o Laboratório entrevistou 255 usuários e 40 funcionários. Simultaneamente, o Laboratório realizou um workshop de Inteligência Coletiva, reunindo funcionários, usuários, o Alto Comissariado para a COVID-19, UNICEF, a associação de estudantes da Universidade Lusófona entre outros, criando um entendimento mútuo sobre os desafios enfrentados e o que os causou. O principal desafio foi identificado como: espaço físico inadequado e as barreiras que ele trouxe para o atendimento das necessidades dos usuários e da equipe. Alguns dos desafios adicionais apresentados foram:
- 60% dos entrevistados não consideraram o espaço adequado para seu uso
- 90% dos entrevistados sentiram que não havia medidas para proteger contra a disseminação do COVID-19 e outras doenças.
- Pressão significativa dos usuários, com funcionários cada vez mais ignorando-os por falta de entendimento e, às vezes, os usuários abusavam até mesmo verbal e fisicamente dos funcionários.
- Baixa segurança no local, fazendo com que os funcionários temam por sua segurança pessoal.
As soluções foram cocriadas para resolver a limitação que implica a remodelação e reorganização do espaço conforme necessário. O espaço foi remodelado com design participativo, prototipagem e iteração, considerando as necessidades e ideias dos usuários e funcionários. O resultado foi um espaço organizado de forma mais eficiente, com bancadas que incluem mensagens de incentivo sobre distanciamento social e proteção de vidros separando funcionários e usuários. O Ministério contratou dois guardas para controlar o fluxo e o número de pessoas no espaço, além de proteger os funcionários quando necessário. Além disso, um painel de senhas para filas foi reinstalado adequadamente, e foi dado treinamento aos funcionários sobre seu uso.
Hipótese
O novo espaço visa melhorar a prestação de serviços públicos à população e consolidar serviços eficazes preventivos com medidas em vigor que mitiguem a COVID-19. Nossas duas hipóteses para este ciclo de aprendizagem foram:
H1: SE... A abordagem participativa é usada para enfrentar os desafios encontrados no Cartório, ENTÃO... funcionários e usuários terão um senso de pertencimento mais forte, melhorando, em última análise, a manutenção do espaço.
H2: SE... O espaço do Cartório é redesenhado por meio de um processo participativo, ENTÃO... as necessidades dos usuários e funcionários serão melhor atendidas e melhor será a percepção de como o serviço do Cartório é prestado à população.
Medindo o impacto da reforma
Algumas semanas após a intervenção, o Laboratório voltou ao Cartório, entrevistando funcionários e usuários para medir o impacto da reforma e testar nossas hipóteses com foco na mudança psicológica e sociológica. Para avaliar nossa hipótese, utilizamos diversas metodologias incluindo experimento social com usuários e funcionários do Cartório por meio de uma pesquisa pré-pós.
Principal descoberta: Melhor acesso para a prestação de serviços eficiente
Uma das principais descobertas foi que a percepção do usuário e da equipe de uma prestação de serviço eficiente aumentou significativamente após a remodelação. Os usuários sentiram que poderiam obter o que buscavam mais rápido e recebiam de uma maneira melhor e a equipe sentiu que poderia fazer seu trabalho de maneira mais eficiente. Nossa segunda hipótese “SE... O espaço do Cartório é redesenhado por meio de um processo participativo, ENTÃO... as necessidades dos usuários e funcionários serão melhor atendidas e melhor será a percepção de como o serviço do Cartório é prestado à população”, foi comprovada por meio dos resultados da pesquisa pré-pós.
Funcionalidade e percepção da importância do Cartório como serviço público
Os usuários também sentiram que o arranjo e a funcionalidade melhoraram após a introdução de novos bancos com mensagens de distanciamento social, um sistema de filas claro e um limite para o número de pessoas permitidas dentro da sala ao mesmo tempo. Adicionalmente, a percepção do Cartório como um importante serviço público também melhorou com as mudanças feitas no espaço. Descobertas semelhantes foram feitas por meio da pesquisa de funcionários.
Mudanças psicológicas e sociológicas
Após a reforma e as mudanças realizadas, o Laboratório também mediu uma mudança positiva em aspectos psicológicos e sociológicos como limpeza, conforto e segurança percebidas no espaço. Descobertas semelhantes foram feitas por meio de pesquisa com funcionários.
Prevenção à Covid-19
Os usuários sentiram que foram tomadas boas medidas de proteção contra a Covid-19 e outras doenças após a reforma, mostrando a importância de investir em itens básicos como álcool gel na entrada, tela de proteção de vidro entre usuários e funcionários junto com mensagens de distanciamento social nas paredes, pisos e assentos. Descobertas semelhantes foram feitas por meio de pesquisa com funcionários.
Manutenção
Após a reforma, os usuários relataram que a manutenção do espaço havia melhorado. Os funcionários também reportaram o mesmo e, além disso, também sentiram que a colaboração entre funcionários e usuários em relação à manutenção do espaço melhorou após os processos participativos. Os resultados da pesquisa pré-pós comprovaram nossa primeira hipótese: "SE... a abordagem participativa é usada para enfrentar os desafios enfrentados no Cartório... ENTÃO os funcionários e usuários terão um sentimento de pertencimento mais forte, alterando em última análise a manutenção". Ao mesmo tempo, a hipótese foi desaprovada pelas nossas observações do espaço alguns meses após sua inauguração, onde encontramos a máquina de bilhetes fora de uso e alguns bancos destruídos (possivelmente devido à má qualidade).
Inclusão
Em termos de inclusão e acessibilidade para usuários e funcionários com deficiência, claramente sabido que precisa de melhorias, principalmente porque a inclusão ficou fora do foco da remodelação, pois as PCD (Pessoa com Deficiência) não faziam parte do processo participativo. Hoje o espaço está melhor organizado, mas ainda precisa de rampa de acesso na entrada do Cartório resultando em um espaço não inclusivo.
Olhando para o futuro
Por meio desse ciclo de aprendizado, o Laboratório gerou alguns insights importantes e áreas de melhoria que podem beneficiar intervenções semelhantes no futuro:
1. Projetos inclusivos: Para tornar o serviço público mais inclusivo e amigável, o projeto do espaço deve ser elaborado e testado na perspectiva dos usuários. Em nosso processo, infelizmente faltou a participação das PCD refletindo falhas no projeto final. Para processos futuros, recomenda-se que representantes de diversos grupos de PCDs sejam incluídos no processo de design para tornar o espaço mais inclusivo.
2. Participação Pública: Os usuários e a associação estudantil da universidade próxima foram incluídos no processo por meio de sessões coletivas de inteligência durante as fases de projeto e implementação. No entanto, após a entrega do Cartório ao Ministério da Justiça, não houve retorno regular desses grupos. Como parte de nosso processo, colocamos uma caixa de feedback física para coletar as opiniões dos usuários e avaliamos muitas contribuições indicando a necessidade de um sistema de feedback. Além disso, ao observar o espaço, nota-se que a falta de manutenção ainda é um desafio. Portanto, acreditamos que a continuidade e facilitação do engajamento público dos usuários é crucial para garantir que a infraestrutura seja inclusiva, adequadamente utilizada e mantida para atender às necessidades dos usuários.
3. Engajamento do Ministério: O Ministério esteve engajado em todo o processo e tomou diversas iniciativas como a repintura do novo espaço e a contratação de dois vigilantes após conhecer os desafios em relação à segurança e disseminação de doenças. Adicionalmente, outros serviços envolventes, como os Cartórios Imobiliário e de Automóveis, também se inspiraram no processo do Cartório Notarial e utilizaram uma abordagem semelhante à organização do espaço. O engajamento do Ministério é fundamental para garantir a manutenção e sustentabilidade.
4. Digitalização: Este ciclo de aprendizagem focou no espaço físico e não houve lugar para explorar muitas coisas que surgiram durante a fase de exploração. Por exemplo, outro desafio levantado durante o workshop de Inteligência Coletiva foi a necessidade de digitalização, já que todos os processos do Ministério da Justiça atualmente são realizados manualmente, criando processos lentos e ineficientes sem transparência. Nosso próximo ciclo de aprendizado se concentra na digitalização dos serviços do Ministério da Justiça.
5. Transparência: Outra discussão levantada nos workshops de Inteligência Coletiva foi a transparência. Processos ineficientes, corrupção e falta de transparência são alguns dos efeitos gerados pelos processos manuais. Do ponto de vista do usuário, há uma forte necessidade de transparência na prestação de serviços públicos, ou seja, colocar tabelas de preços nas paredes e disponibilizar informações aos usuários por meio da criação de uma página na web etc.
6. Manutenção: Os resultados mostraram que tanto a equipe quanto os usuários perceberam que a manutenção do espaço melhorou após a reforma. Por outro lado, quando o Laboratório voltou a observar o espaço alguns meses depois, ficou claro que a manutenção ainda é uma área que pode ser melhorada, como, por exemplo, bancos, barreiras de fila e mensagens de distanciamento social não estavam mais em estado funcional.
7. Atendimento ao cliente: Uma das principais descobertas deste ciclo de aprendizado foi que a percepção dos usuários e funcionários de uma prestação de serviço eficiente aumentou significativamente após a reforma. Por outro lado, fica ainda claro que o atendimento ao cliente é uma área a melhorar e que parece existir uma percepção dos funcionários de que estão a fazer um favor aos usuários em vez de lhes prestar um serviço de qualidade. Para o futuro, o laboratório planeja explorar como podemos extrair aprendizados de outros setores de serviços, como, por exemplo, hotéis e restaurantes para melhorar a prestação de serviços ao cliente.
O Laboratório planeja compartilhar os insights entre outros ministérios, defendendo construções e remodelações inclusivas e como eles podem ter a possibilidade de melhorar o acesso à prestação de serviços públicos.