A prevenção é melhor do que a cura
14 de November de 2022
A corrupção não só custa dinheiro, como também custa vidas. Prejudica o nosso progresso em direcção a objectivos comuns, incluindo a Agenda para o Desenvolvimento Sustentável de 2030 e a promessa de Cobertura Universal da Saúde. O sector da saúde é especialmente vulnerável à corrupção devido à sua complexidade, ao grande número de intervenientes, e às grandes quantidades de recursos e transacções financeiras a todos os níveis do sistema. A corrupção desvia recursos, reduz a qualidade dos serviços e produtos de saúde, limita o acesso aos mesmos, aumenta os seus custos e, por conseguinte, ameaça a vida das pessoas. Capacitar as instituições públicas é crucial para reforçar os sistemas de saúde e melhorar o acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde, porque, em última análise, são os mais vulneráveis que são os mais afectados.
O Fórum Económico Mundial estima que a corrupção custa à economia mundial 5% do PIB por ano, o equivalente a 3,6 triliões de dólares. Segundo dados da Transparency International, dos 7,5 triliões de dólares gastos anualmente em cuidados de saúde em todo o mundo, 0,5 trilhões de dólares são perdidos para a corrupção. Por estas razões, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) tem vindo a apoiar os países a combater a corrupção e a reforçar a integridade no sector da saúde há mais de uma década, como parte da sua abordagem sectorial e integrada de combate à corrupção. A metodologia de gestão do risco de corrupção sectorial do PNUD foi desenvolvida em 2016 através da Rede Global de Combate à Corrupção, Transparência e Responsabilidade nos Sistemas de Saúde (GNACTA), que é liderada pelo PNUD, a Organização Mundial da Saúde, e o Fondo Global de Combate à SIDA, Tuberculose e Malária, e financiada pela Agência Norueguesa de Cooperação para o Desenvolvimento (NORAD). Baseia-se na ideia de que, na prática, a corrupção resulta de decisões conscientes dos indivíduos e de acções intencionais para abusar dos poderes que lhes foram confiados.
Este é precisamente o ponto de partida para os workshops sobre ae metodologia que o PNUD já realizou na Tunísia, em Marrocos, na Líbia, no Egipto, no Líbano, em Palestina, em Iraque, no Zimbabué, e agora na Guiné-Bissau, para reforçar as capacidades, ajudando as partes interessadas nacionais a avaliar os riscos nos seus sectores de saúde. "Isto é muito importante para a apropriação e sustentabilidade. As partes interessadas nacionais de múltiplos sectores conhecem melhor o país e a sua participação traz diferentes perspectivas e pontos de vista. Tentamos estabelecer plataformas e línguas comuns entre a variedade de intervenientes que participam nos workshops", diz o Dr. Mostafa Hunter, Conselheiro Sénior para a Gestão do Risco de Corrupção do PNUD, e facilitador do workshop. A metodologia permite aos principais interessados identificar os pontos de decisão onde é posível que ocorra corrupção e avaliar a probabilidade e o impacto através de cenários práticos. "Trata-se de compreender melhor a corrupção, tornando-a concreta, tangível e relevante, e ajudá-los a tomar medidas para mitigar o risco. Dá a responsabilidade na prevenção e gestão do risco ao próprio sector", observa o Dr. Hunter.
Na Guiné-Bissau, vários intervenientes representando vários departamentos governamentais, incluindo os Ministérios da Saúde e da Justiça e o Gabinete de Auditoria, e organizações da sociedade civil, participaram nos dois workshops organizados (um para o governo, outro para a sociedade civil), que enfatizaram a necessidade de prevenir a corrupção. "Quando nos concentramos na abordagem da punição, isso significa que o dano já foi feito. Por conseguinte, esta nova metodologia é principalmente sobre prevenção", explica Hunter. O segundo ponto importante é a abordagem sectorial. "Cada sector tem as suas próprias partes interessadas e a sua própria dinâmica, e o sector da saúde é muito sensível. Nem sempre se trata de sensibilização, mas também de prevenção institucional, o que torna os sistemas menos vulneráveis à corrupção. Tudo é feito através da gestão de riscos", diz ele.
A prevenção é de facto um dos dois pilares da Estratégia Nacional Anti-Corrupção na Guiné-Bissau, sendo o outro a mitigação e o combate à corrupção. A componente de prevenção da Estratégia centrar-se-á em evitar a corrupção em todos os sectores do país e em desenvolver um fundo para intervenções que possam criar mudanças positivas através da promoção da transparência e da repressão de actos ilegais. Para o Dr. Agostinho Ndumba, Director Geral de Prevenção e Promoção da Saúde, "a corrupção é o eixo do mal; falamos de corrupção, mas não a combatemos. Não há controlo administrativo das leis e há um abuso de poder". A instabilidade política e institucional no país contribui para criar um terreno fértil para a proliferação da corrupção. "Os ministros estão sempre a mudar e são colocados de acordo com a filiação política. São necessários pelo menos seis meses para compreender como funciona um serviço e os ministros partem antes de poderem começar a implementar qualquer plano. Isto é prejudicial para o Ministério da Saúde Pública", lamenta. As más condições de trabalho dos profissionais de saúde também podem incentivar a corrupção num país frágil como a Guiné-Bissau. "É necessário criar condições de trabalho no sector, os salários devem ser pagos. O governo deve estar consciente da importância de proporcionar aos profissionais de saúde boas condições para que possam prestar um bom serviço à população", reflecte Nina Bucencure, Analista Financeira da ENDA Santé Guinea-Bissau.
De acordo com o último Índice de Percepções de Corrupção da Transparency International, a Guiné-Bissau classificou-se em 162 dos 180 países inquiridos, ligeiramente acima do posto 165 em que ficou em 2020. Permitir canais de informação e activar mecanismos adequados de protecção de testemunhas, bem como melhorar o regime de separação de processos, são acções previstas na Estratégia Nacional Anti-Corrupção que podem contribuir para uma melhoria gradual. "Existem leis, mas não são aplicadas. Até agora, o governo não tem estado empenhado na redução da corrupção", afirma Cuma Mendes, Chefe de Grandes Epidemias na Direcção Regional de Saúde de Bolama. "O que o governo deve fazer é reforçar o quadro regulamentar".
O apoio dos parceiros internacionais de desenvolvimento é também crucial para mitigar e combater a corrupção, que é o segundo pilar da Estratégia Nacional. "O Sistema das Nações Unidas, como observador, pode influenciar. Mesmo que o Governo não queira, é necessário cortar a corta onde há fraqueza", diz o Dr. Ndumba. Este apoio dos parceiros internacionais de desenvolvimento deve ser acompanhado de um compromisso dos funcionários públicos a todos os níveis. "O parceiro pode realizar a auditoria, encontrar uma irregularidade, escrever um relatório, e apresentá-lo ao Ministro. Mas qual é a consequência? Eles não fazem nada. O PNUD pode sustentar auditorias financeiras anuais, mas com o engajamento do Governo. Em caso de qualquer irregularidade, a lei deve ser aplicada para responsabilizar a pessoa, desde o nível mais alto até ao mais baixo", reflecte Mendes.
Ndumba, Mendes, Bucencure e o resto dos participantes do workshop são claros sobre os próximos passos. "Temos de começar por nós próprios, temos de ser pontos de referência para a redução dos riscos de corrupção nas instituições onde trabalhamos", diz o Dr. Ndumba. "O mais importante é que os participantes sejamos capazes de utilizar o que aprendemos no dia-a-dia para trazer ganhos para o último beneficiário do sistema, que é o utilizador", conclui Aburamane Baldé, Especialista em Saúde e Chefe de Monitorização e Avaliação na PLAN International.
As sessões presenciais já produziram propostas para sistematizar e estabelecer procedimentos específicos de controlo administrativo e para a criação de documentação oficial com pontos de decisão e de acção para reduzir o risco de corrupção. Os grupos continuarão com formação online e já assumiram o compromisso de trabalhar em conjunto para avançar. No horizonte está a criação de uma rede anti-corrupção na Guiné-Bissau que se empenhará na sensibilização, reforço de capacidades e advocacia para gerar um impacto positivo no país.
O PNUD, através da sua metodologia de gestão de risco de corrupção sectorial, continuará a acompanhá-los nessa via, ajudando as partes interessadas e os próprios gestores de risco a identificar vulnerabilidades no sistema e equipando-os com o know-how necessário para enfrentar a corrupção no sector da saúde antes que esta ocorra.