3 de Abril 2020
Só em conjunto o mundo poderá enfrentar a pandemia de COVID-19 e as suas consequências devastadoras. Numa reunião virtual de emergência, realizada na última quinta-feira, os líderes do G20 deram os primeiros passos na direção certa. Mas estamos ainda longe de conseguir uma resposta global, coordenada e articulada capaz de ir ao encontro da magnitude sem precedentes daquilo que enfrentamos.
Longe de conseguir achatar a curva da infecção, estamos ainda muito aquém. Inicialmente a doença demorou 67 dias a infectar 100,000 pessoas; em breve 100,000 e mais serão infetadas diariamente. Sem uma ação orquestrada e corajosa, o número de novos casos chegará certamente até aos milhões, levando os sistemas de saúde à ruptura, as economias a uma queda abrupta e as pessoas ao desespero, com os mais pobres a serem os mais atingidos.
“Sem uma ação orquestrada e corajosa, o número de novos casos chegará certamente até aos milhões”.
Devemos prepararmo-nos para o pior e fazer tudo para o evitar. E para que isso aconteça, eis uma chamada para a ação, dividida em três fases e baseada na ciência, na solidariedade e nas políticas de bom senso.
Primeiro, suprimir a transmissão do coronavírus
É preciso uma testagem agressiva e antecipada, com identificação de contatos, complementada com quarentenas, tratamentos e medidas que acautelem a segurança das equipes de resposta de primeira linha, combinadas com a restrição de movimento e de contatos. Estes passos, apesar da perturbação que originam, devem ser mantidos até que apareçam tratamentos e vacinas.
Crucialmente, este esforço robusto e cooperativo deve ser orientado pela Organização Mundial de Saúde, membro da família das Nações Unidas; os países que agem isoladamente – fazendo-o para a sua população – não conseguirão fazê-lo para todos.
Segundo: enfrentar a devastadora dimensão social e econômica da crise
O vírus espalha-se como um incêndio descontrolado e é provável que avance rapidamente para o hemisfério sul, onde os sistemas de saúde enfrentam fragilidades, as pessoas são mais vulneráveis, e milhões que vivem em área de periferia, densamente povoadas, ou em acampamentos de refugiados ou de deslocados. Alimentado por estas condições, o vírus poderá arrasar o mundo em desenvolvimento e reemergir mesmo em lugares onde já havia sido suprimido. No nosso mundo tão interligado somos apenas tão fortes quanto o mais fraco sistema de saúde.
Temos, claramente, que combater o vírus para toda a humanidade, com foco nas pessoas, especialmente nos mais afetados: nas mulheres; nos idosos; nos jovens; nos trabalhadores com salários baixos; nas pequenas e médias empresas, na economia informal e nos grupos vulneráveis.
As Nações Unidas acabaram de lançar um relatório que documenta como o contágio viral se transformou em contágio econômico, definindo o financiamento necessário para responder aos choques. O Fundo Monetário Internacional anunciou que entramos numa recessão tão ruim, ou pior, do que a de 2009.
Precisamos de uma resposta abrangente e multilateral que leve a uma porcentagem de dois dígitos do Produto Interno Bruto global.
Os países desenvolvidos conseguem sem ajuda e alguns estão realmente conseguindo. Mas devemos aumentar massivamente os recursos disponíveis do mundo desenvolvido ampliando a capacidade do FMI, através da emissão de Direitos de Saque Especiais (DSE), e de outras instituições financeiras internacionais, de forma que possam rapidamente injetar recursos nos países que necessitam. Eu sei que não é fácil, tendo em conta que os países se confrontam com despesas internas cada vez maiores e de valores recorde. Mas esse gasto será em vão se não controlarmos o vírus.
Operações coordenadas entre os bancos centrais podem, também, trazer liquidez às economias emergentes. O alívio das dívidas tem que ser uma prioridade – incluindo a renúncia imediata ao pagamento de juros em 2020.
“Agora é o tempo de redobrar os nossos esforços para construir economias e sociedades mais inclusivas e sustentáveis”.
Terceiro: Recuperar melhor
Não podemos simplesmente voltar ao que era antes do ataque de covid-19, com sociedades desnecessariamente vulneráveis a crises. A pandemia relembrou-nos, da forma mais dura, do preço que pagamos pela fraqueza dos nossos sistemas de saúde, da proteção social e dos serviços públicos. Sublinhou e realçou as desigualdades, acima de tudo a desigualdade de gênero, deixando a descoberto a forma como a economia formal se tem sustentado à custa de um trabalho de assistência invisível e não remunerado. Colocou em destaque os correntes desafios dos direitos humanos, incluindo o estigma e a violência contra as mulheres.
Agora é o tempo de redobrar os nossos esforços para construir economias e sociedades mais inclusivas e sustentáveis, que sejam mais resilientes face às pandemias, às alterações climáticas e aos outros desafios globais. A recuperação deve conduzir a uma economia diferente. O nosso plano continua sendo a Agenda 2030 para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
O Sistema das Nações Unidas está totalmente mobilizado: apoiando a resposta dos países, colocando as nossas cadeias de abastecimento à disposição de todos e apelando a um cessar-fogo global.
Acabar com a pandemia em todo o mundo é tanto um imperativo moral como uma questão de interesse individual esclarecido. Neste momento excepcional não podemos recorrer às ferramentas habituais. Tempos extraordinários que exigem medidas extraordinárias. Enfrentamos um desafio colossal que requer uma ação decisiva, coordenada e inovadora, da parte de todos e para todos.
Escrito pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, para o jornal The Guardian.