“Justiça Móvel” como forma de aproximar os serviços públicos da população

18 de August de 2022
Mulher em Fulacunda após utilização do Registo Civil móvel. Foto: Ricci Shryock

Mulher em Fulacunda após utilização do Registo Civil móvel.

Foto: UNDP Guiné Bissau/ Ricci Shryock

No nosso último no blog “O que as Percepções Comportamentais podem nos ensinar sobre a Casa de Justiça?”, o Laboratório de Aceleração do PNUD Guiné-Bissau explorou como os insights comportamentais podem nos ajudar a aprender sobre a funcionalidade da recém-construída Casa de Justiça (HoJ ou “House of Justice”, em inglês) em Gabu. As descobertas  sendo atualmente usadas para informar o processo e o projeto de uma nova Casa de Justiça em Buba.

Uma das principais conclusões do estudo foi que aqueles que usam a Casa de Justiça em Gabu moravam nas proximidades (não mais de sete quilômetros de distância do prédio). Em colaboração com o Cluster de Governança do PNUD, o Laboratório partiu em uma jornada para conhecer as possibilidades de usar uma unidade móvel (Justiça Móvel) para descentralizar a prestação de serviços públicos e aproximá-la das comunidades mais isoladas.

Região no interior da Guiné-Bissau

Região no interior da Guiné-Bissau

Histórico

Um dos objetivos do PNUD é facilitar o acesso dos cidadãos ao setor da justiça. Hoje, as pessoas percorrem mais de 50 km até as regiões mais próximas em busca de serviços de justiça. Para testar a Justiça Móvel como uma solução inovadora com potencial para diminuir a distância entre a população mais vulnerável e os serviços básicos de justiça, bem como medir a relevância de uma unidade móvel de prestação de serviços de justiça, o Laboratório montou uma equipa multissetorial robusta, que incluiu:

  • O chefe do Ministério da Justiça
  • O Diretor do Gabinete de Informação e Consulta Jurídica (GICJU)
  • Pessoal administrativo e técnico da Saudigitus
  • Técnicos do Projeto Saúde Bandim (PSB)
  • O administrador do Registro Civil (CRS) de Gabu
  • O administrador do Registo Civil (CRS) Buba
  • Técnicos e assistentes de assistência jurídica do CAJ Gabu e CAJ Buba
  • Representantes da sociedade civil (Quinara e Tombali)

Um micro-ônibus foi utilizado para se deslocar até os locais mais remotos e de difícil acesso das regiões de Gabu e Quinará, levando a bordo os serviços do Registro Civil e do Centro de Acesso à Justiça (CAJ).

Mapa da Guiné-Bissau mostrando as regiões selecionadas para o teste

Mapa da Guiné-Bissau mostrando as regiões selecionadas para o teste.

Ilustração: PNUD Guiné-Bissau, Laboratório de Aceleração/ Isa da Costa

O teste foi elaborado para medir o efeito e a relevância da unidade móvel comparando fluxos/usuários do Registro Civil e CAJ em pontos fixos versus pontos móveis. Durante oito dias, um total de 451 pessoas utilizaram o serviço móvel do Registo Civil e 503 pessoas utilizaram o serviço móvel CAJ. Além disso, foram realizadas 20 Entrevistas com Informantes-Chave (EICs) com usuários da unidade móvel para coletar informações sobre sua percepção sobre a aproximação dos serviços de justiça.

Registo civil na unidade móvel, Fulacunda

Registo civil na unidade móvel, Fulacunda, Guiné-Bissau.

Foto: UNDP Guiné-Bissau/ Ricci Shryock

Principais descobertas

A análise de 20 entrevistas com usuários mostrou que, em geral, há grande interesse em ter acesso ao CAJ e aos serviços de registro civil, e que a iniciativa foi muito apreciada pela população e por funcionários do Ministério da Justiça.

“O teste foi recebido com muita satisfação e gratidão das comunidades por onde a equipe passou; receberam informações jurídicas sobre seus direitos fundamentais e foram sensibilizados para evitar violações de seus direitos. Com relação a futuras intervenções, muitos participantes afirmaram que recorreriam ao CAJ mais próximo para consultas e informações legais quando necessário.” - Nadilé Pereira Banjaqui, Diretor do CICJU

“O teste aproximou os serviços de justiça da população e serviu também como mecanismo de sensibilização e divulgação destes serviços. Os dados estatísticos mostraram que a justiça móvel é a solução para o acesso à justiça nas nossas comunidades, pois sabe-se que a população mais vulnerável não dispõe de meios financeiros para se deslocar ao registo civil ou ao acesso mais próximo aos centros de justiça.” – Enelita Correia, Diretora do Serviço de Estudos e Relações Internacionais, Ministério da Justiça

O maior obstáculo percebido pela população no acesso aos serviços de justiça (CAJ e Registro Civil) é o tempo e dinheiro gastos para chegar aos postos de atendimento fixos, algo que a unidade móvel conseguiu resolver.

“Acredito que se há alguns anos o governo tivesse usado o Candonga di Justiça (unidade móvel), hoje todas as crianças estariam cadastradas” - homem, 40 anos.

“Não fui antes por causa da distância e não conheço ninguém lá” - homem, 56 anos.

“Não fui registar o meu filho antes porque fiz cesariana e não pude me deslocar ao cartório em Buba para me registar” - mulher, 24 anos.

“A unidade móvel deve voltar mais vezes; pode fazer uma grande diferença na vida da população” - mulher, 23 anos.

População reunida fora do registo civil móvel em Fulacunda, Guiné-Bissau

População reunida fora do registo civil móvel em Fulacunda, Guiné-Bissau

Foto: UNDP Guiné-Bissau/ Ricci Shryock

Teste A e B

Durante oito dias na estrada, a equipe realizou dois testes. O Teste A focou no Serviço de Registo Civil e teve uma média diária de seis pessoas/dia no ponto fixo comparado com 65 pessoas/dia na estação móvel.

O teste B se concentrou no serviço CAJ que normalmente tinha uma média de atendimento de duas pessoas/semana no ponto de atendimento fixo em comparação com 488 pessoas/semana no serviço móvel. O CAJ dispõe de um serviço onde os cidadãos podem apresentar reclamações e que os apoia na compreensão dos seus direitos e na forma de adquiri-los. É importante notar que, durante o teste, várias crianças menores de sete anos pagaram erroneamente pelo registro civil usando a unidade móvel, quando o serviço deveria ser gratuito para elas. Os pais destas crianças aproveitaram para utilizar o serviço CAJ para reclamar, justificando os números de utilização altamente elevados do serviço CAJ.

Família usa o Registro Civil móvel em Pirada, Gabu.

Família usa o Registro Civil móvel em Pirada, Gabu.

Foto: PNUD Guiné-Bissau, Laboratório de Aceleração/ Isa da Costa

A Justiça Móvel foi usada antes?

Durante uma visita a Cabo Verde, em outubro de 2021, o Laboratório de Aceleração teve a oportunidade de visitar a Casa do Cidadão, instituição pública responsável pela implementação da Lei de Modernização da Administração Pública de 2004. A reunião foi crucial para entender como e porquê as coisas são feitas do jeito que são no setor público. A visita demonstrou novas perspectivas, abrindo oportunidades para futuras sinergias em testes de digitalização no Ministério da Justiça da Guiné-Bissau. Um projeto partilhado pela Casa do Cidadão foi a “unidade móvel” que durante dez anos prestou serviços de justiça a comunidades isoladas em Cabo Verde. Segundo o diretor da Casa do Cidadão, a unidade móvel foi fundamental num momento em que não existiam estruturas físicas suficientes antes da implementação da digitalização dos serviços de justiça. Cabo Verde é um exemplo de sucesso onde o veículo preencheu a lacuna até haver espaços físicos em todas as ilhas.

 

Mulheres esperando para acessar o Registro Civil móvel em Pirada, Gabu

Mulheres esperando para acessar o Registro Civil móvel em Pirada, Gabu

Foto: PNUD Guiné-Bissau, Laboratório de Aceleração/ Isa da Costa

Expectativa

O Cluster de Governança recebeu financiamento para implementação/piloto do Projeto Justiça Móvel. A etapa de acompanhamento envolverá o design de um protótipo incorporando o aspecto da digitalização, dimensionando o teste para cobrir todas as regiões do país e incorporar mais serviços de justiça. Além disso, o próximo teste analisará como a justiça móvel pode ser levada ao arquipélago dos Bijagós, onde algumas ilhas estão extremamente isoladas.