Cooperativismo dá impulso à igualdade de gênero na Bahia

Projeto de Sescoop/BA e PNUD contribuiu para mudanças estruturais em cooperativa baiana, que ampliou direito de mulheres.

6 de November de 2024
a group of people sitting at a fruit stand

Valdirene Oliveira (a quarta da direita para a esquerda) é presidente da cooperativa Ser do Sertão, de Pintadas (BA)

Ser do Sertão

Nascida em Cabaceiras do Paraguaçu, criada em Feira de Santana e hoje moradora de Pintadas (BA), a baiana Valdirene Oliveira, de 48 anos, tem ampla experiência como líder sindical e de movimentos sociais, tendo sido educada por padres e freiras que a envolveram desde criança em atividades coletivas.

Esse repertório de atuação em prol da comunidade e a formação em assistência social e tecnologias de baixo carbono foram essenciais para Valdirene exercer, desde 2017, a função de presidente da Ser do Sertão, cooperativa de agricultura familiar de Pintadas que tem ampliado direitos das mulheres e adotado práticas sustentáveis, incluindo a instalação de painéis solares em sua fábrica.

Licença maternidade  Especializada em polpas de frutas, leite e produtos hortifrutigranjeiros, a Ser do Sertão tem 326 cooperados. Recentemente, a cooperativa criou um comitê de mulheres para melhorar as condições de vida de suas 128 trabalhadoras. A ideia surgiu após Valdirene participar de curso realizado por PNUD e Sescoop/BA sobre a Agenda 2030 e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

O curso online de 140 horas emitiu certificados para 240 pessoas e fez parte do projeto “Promovendo a Sustentabilidade e a Competitividade das Cooperativas Baianas”, parceria entre Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo no Estado da Bahia (Sescoop/BA) e PNUD em vigor até junho de 2025. O conteúdo das oficinas está disponível no canal do Youtube do PNUD e da Cesto Consultoria.

“Logo após iniciar o curso e aprender sobre o ODS 5 (Igualdade de Gênero), sugeri a criação do comitê de mulheres da Ser do Sertão”, explicou Valdirene. “O comitê ajudou a tratar com mais seriedade as pautas relacionadas aos direitos das mulheres. Também incentivamos outras organizações a lançarem seus próprios comitês.” 

Desde sua criação, no início deste ano, o comitê formado por cinco mulheres já teve conquistas em termos de mudanças estruturais na cooperativa. Uma delas foi a ampliação do tempo de licença maternidade e adoção de intervalos maiores para amamentar após o retorno ao trabalho.

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As cooperadas da Ser do Sertão Élina de Jesus Silva (à esquerda) e Thaís Cordeiro do Amaral.

Ser do Sertão

A cooperada Élina de Jesus Silva, de 25 anos, foi uma das beneficiadas. “Tive um bebê recentemente e pude tirar mais dois meses de licença exclusiva para amamentação, além da licença maternidade. Quando retornei, também pude sair para amamentar meu bebê em casa e na cooperativa tive bastante apoio, com um espaço para amamentação.”

“Temos muitas mulheres rurais em nossa comunidade. O comitê promove encontros com as cooperadas durante os quais conversamos sobre a importância do empoderamento feminino, fazemos com que tenham mais autoestima”, disse a auxiliar administrativa da Ser do Sertão, Thaís Cordeiro do Amaral, de 31 anos, participante do comitê.

O sucesso da iniciativa fez com que as lideranças femininas da Ser do Sertão passassem a dar cursos e organizar rodas de conversa em outras cooperativas da região. “Já participamos de eventos sobre cooperativismo, o trabalho da mulher na indústria e no empreendedorismo”, explicou Thaís. 

Mulheres no cooperativismo – Segundo o Anuário do Cooperativismo Brasileiro, levantamento feito pela Organização das Cooperativas do Brasil (OCB), em 2023, as mulheres representavam 41% das pessoas cooperadas no país, que totalizavam 23,4 milhões. O percentual de mulheres é estável em relação a 2022, enquanto os principais ramos com presença feminina são consumo, crédito, saúde e trabalho, produção de bens e serviços.

No entanto, o índice de mulheres que ocupam cargos de direção em cooperativas era de apenas 23% em 2023, aumento de um ponto percentual frente ao ano anterior. A própria OCB tem incentivado a liderança feminina nas cooperativas, tendo lançado um manual de implantação de comitês de mulheres.

Além de apoiar cooperativas já existentes na Bahia por meio de oficinas, diagnósticos e assistência técnica (mais detalhes adiante na reportagem), o projeto “Promovendo a Sustentabilidade e a Competitividade das Cooperativas Baianas” também ajuda grupos interessados em se formalizar como cooperativas com o objetivo de facilitar o acesso a crédito e a capacitações.

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O Instituto Vida por Vida atende mulheres vítimas de violência na região de Irecê (BA).

Instituto Vida por Vida.

Esse foi o caso do Instituto Vida por Vida, uma associação de mulheres vítimas de violência que passou a receber apoio da parceria entre PNUD e Sescoop/BA. A entidade foi uma das cinco “startups” selecionadas para suporte no processo de formalização como cooperativa, participando de oficinas e palestras online.

O Instituto Vida por Vida nasce de um projeto de apoio psicossocial a mulheres que passaram por situação de violência doméstica na região de Irecê, sul da Bahia. A organização oferece capacitações e geração de renda por meio da produção de velas, perfumes e sabonetes. A ideia é criar a cooperativa para impulsionar a comercialização desses produtos.

“A expectativa é formar a cooperativa com 40 mulheres selecionadas nas oficinas de capacitação. O apoio do Sescoop/BA e do PNUD será a cereja do bolo para cumprirmos nossa promessa de dar mais autonomia econômica às mulheres vítimas de violência”, disse Maria de Fátima Silva Rocha, de 51 anos, fundadora do instituto. 

A Bahia tem um dos mais altos números absolutos de feminicídios do Brasil, segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024, ficando atrás apenas de São Paulo e Minas Gerais.

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A fundadora do Instituto Vida por Vida, Maria de Fátima Silva Rocha (à esquerda).

Instituto Vida por Vida

Competitividade – Além de igualdade de gênero e demais ODS, as oficinas de Sescoop/BA e PNUD para as cooperativas baianas abordaram temas como novas tecnologias, governança e liderança, integração a cadeias nacionais e globais de valor, estratégias de acesso a recursos nacionais e internacionais, estratégias de comunicação e acesso a mercados e diversificação de produtos e/ou serviços. 

“A ideia central foi a de que a sustentabilidade traz competitividade. Organizações sustentáveis são mais competitivas, mais resilientes e podem vender produtos e serviços em cadeias de valor mais rentáveis, tendo impactos sociais positivos”, disse o coordenador do escritório do PNUD em Salvador, Leonel Neto.

As oficinas foram realizadas pela Cesto Consultoria, e os participantes puderam trocar informações e boas práticas em grupos online mediados pelos organizadores. 

“O Sistema Sescoop tem se profissionalizado na capacitação e elaboração de estratégias, monitoramento e assistência a todas as cooperativas. Fazer este treinamento foi muito importante. Temos ainda outros 200 cursos gratuitos para que todos possam participar”, destacou o presidente do Sistema Oceb, Cergio Tecchio.

 Cooperativismo na Bahia – O Sistema Oceb é formado pelo Sindicato e Organização das Cooperativas do Estado da Bahia (OCEB) e pelo Sescoop/BA. O OCEB representa as cooperativas baianas perante o poder público e a sociedade civil e é o sindicato patronal das cooperativas baianas. Já o Sescoop, integrante do Sistema S brasileiro, promove a autogestão e difunde a cultura cooperativista.

Para atender as demandas das cooperativas baianas, o projeto deu o passo inicial de elaborar um Diagnóstico da Competitividade das Cooperativas Baianas, um Relatório de Estratégia para Acesso a Mercados Nacionais e Internacionais e um Relatório de Boas Práticas e Estratégias para Aumento da Competitividade do Cooperativismo na Bahia.

Os documentos indicaram que a Bahia tem atualmente 157 cooperativas registradas, com 298,5 mil pessoas cooperadas. Em 2023, essas organizações geraram 3,5 mil empregos no estado, além de ingressos que movimentaram mais de R$ 7 bilhões.

A Bahia é o 10º estado com o número mais elevado de cooperativas, sendo o maior do Nordeste nesse quesito, mostraram os estudos. Além disso, a concentração de trabalhadores com ensino superior completo é maior nas cooperativas quando comparada às empresas tradicionais baianas. 

O trabalho de mapeamento também indicou os principais desafios das cooperativas do estado, incluindo o fato de apenas 50% delas terem um plano estratégico definido. Outros gargalos incluíram a baixa participação dos mais jovens no movimento cooperativista e a falta de conhecimento sobre novas tecnologias. 

Próximos passos – A etapa final do projeto, atualmente em andamento, implementa a assistência técnica a dez cooperativas baianas, de forma a ajudá-las a enfrentar alguns dos desafios identificados nos diagnósticos, adota os ODS em suas atividades e comunidades, bem como apoia as organizações na elaboração de projetos de captação de recursos.

Segundo o gestor da Cesto Consultoria, Alécio Mascarenhas, estão sendo realizadas visitas técnicas em cada uma das cooperativas selecionadas. “Primeiro realizamos um diagnóstico dos desafios e oportunidades de cada uma delas, quando constatamos que a maioria não tinha processos estruturados”, explica.

“A próxima etapa será orientar a construção desse planejamento estratégico, por meio de um curso que criaremos sob demanda. Também apoiamos a criação de peças publicitárias, identificamos oportunidades de acesso a recursos”, diz Mascarenhas. 

A Cooperativa Educacional de Porto Seguro (COOEPS) foi uma das dez selecionadas para receber assistência técnica. Com duas unidades, uma em Porto Seguro e a outra em Arraial D’Ajuda, a cooperativa conta com 35 cooperados, entre professores e coordenadores, e 512 alunos.

A história da COOEPS começa em 2010, quando educadoras sócias de uma escola particular de Porto Seguro anunciaram que teriam de fechar as portas. A notícia teve forte impacto na comunidade, que se preocupou com o destino de funcionários e alunos. A solução foi criar uma cooperativa que continuasse o legado das educadoras.

“Hoje, estamos olhando com afinco na questão dos ODS. Nosso objetivo é ter um plano de logística sustentável para curto, médio e longo prazo”, explicou a bióloga e diretora administrativa da COOEPS, Marilua Barbosa.

“Já adotamos algumas práticas sustentáveis, como energia solar, com a qual economizamos em eletricidade, e um Eco Ponto, por meio do qual recolhemos 80 mil quilos de material reciclado ao mês, que são enviados para cooperativas de catadores”, explicou. “Agora, estamos construindo parceria com o comércio local para um novo Eco Ponto e fazer com que mais catadores venham.”

“O cooperativismo é pilar de tudo o que fazemos, daí a importância de levar o que ensinamos em sala de aula para a sociedade. A gestão participativa funciona na cooperativa e em alguns momentos os alunos vivenciam isso. Por exemplo, o plano de sustentabilidade será feito com estudantes, será construído coletivamente”, afirmou a diretora da COOEPS, para quem a assistência técnica do projeto será essencial.

Na opinião da coordenadora da Unidade de Cooperação Descentralizada e Desenvolvimento Territorial do PNUD Brasil, Ieva Lazareviciute, as cooperativas têm papel chave no alcance da Agenda 2030, ao adequarem sua produção para a maior sustentabilidade, inclusão e justiça social. Isso ajuda a fechar a lacuna de financiamento para os ODS, que já está na casa dos US$ 4 trilhões, disse. 

“O projeto tem sido importante não só para melhorar o funcionamento das cooperativas, mas para ampliar sua contribuição com o desenvolvimento global, uma vez que estamos no período final de implementação da Agenda 2030”, salientou.

De fato, os princípios do cooperativismo global estão em linha com a Agenda 2030 por promoverem desenvolvimento sustentável, inclusão socioeconômica e cooperação entre membros. Os valores cooperativistas, como autonomia e independência, democracia e participação equitativa, preocupação pelo bem-estar das comunidades e sustentabilidade ambiental refletem diretamente os Objetivos Globais.

Ao fomentar práticas empresariais baseadas na colaboração e na responsabilidade compartilhada, as cooperativas contribuem significativamente para alcançar metas globais como erradicação da pobreza, educação de qualidade, trabalho decente e crescimento econômico sustentável.

Para Valdirene Oliveira, da Ser do Sertão, o cooperativismo é a melhor forma de implementar a Agenda 2030 localmente. “É impossível se recusar a trabalhar com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, porque os impactos são imensos”, concluiu.

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Da esquerda para a direita, Marilua Damasceno (diretora administrativa), Daniele Almeida (presidente) e Indiana da Silva Oliveira (diretora financeira) da COOEPS.

COOEPS