Desenvolvido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em parceria com o PNUD, o modelo deve ser implantado em 2023, como projeto-piloto, pelo Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE)
Ferramenta de inteligência artificial apoiará análise de processos de homicídio de mulheres
23 de December de 2022
Uma ferramenta que utiliza Inteligência Artificial (IA) será aplicada para auxiliar os juízes e juízas que lidam com casos de homicídio de mulheres. Desenvolvida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em parceria com o PNUD, o modelo deve ser implantado em 2023, como projeto-piloto, pelo Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE).
O projeto, que deve ser testado durante um ano, pretende aprimorar a compreensão da perspectiva de gênero presente nos crimes e contribuir para a resposta do país à violência contra mulheres e meninas. O objetivo é facilitar o acesso do Poder Judiciário à legislação e à literatura sobre a perspectiva de gênero que pode estar presente nesses crimes.
De acordo com a representante residente do PNUD no Brasil, Katyna Argueta, esse é um exemplo de como a digitalização pode acelerar a solução de problemas do desenvolvimento, tais como a desigualdade de gênero. “A inteligência artificial aqui não é um fim em si mesma. De maneira inovadora, ela embarca conhecimento em uma ferramenta e oferece ao Poder Judiciário uma alternativa para avançar na sua resposta à violência contra mulheres e meninas”, afirma.
Segundo a juíza-auxiliar da presidência do CNJ Amini Haddad, que atua na execução da política de monitoramento e fiscalização da violência de gênero, a ferramenta poderá ser utilizada em qualquer área referente à questão de gênero. “Há um campo vasto para a análise de crimes com a desqualificação do feminino”, disse.
Financiado pela União Europeia por meio da Iniciativa Spotlight – ação das Nações Unidas focada na eliminação de todas as formas de violência contra as mulheres -, o modelo de IA vai automatizar a busca por termos importantes para análise de gênero dos processos, relacionando-os com a legislação e a literatura sobre o tema. Ao identificar esses termos, a ferramenta apresenta argumentos para auxiliar os usuários a compreender se um homicídio pode ser qualificado como feminicídio.
Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que reuniu as estatísticas criminais de feminicídio e estupro dos primeiros semestres dos últimos quatro anos, o número de casos de feminicídio cresceu 10,8%, totalizando 2.671. Desse total, 699 casos ocorreram entre janeiro e junho deste ano, o que representa um aumento de 3,2% em comparação com 2021. Isso significa uma média de quatro mulheres assassinadas por dia.
O levantamento também aponta a ocorrência de 29.285 casos de estupro em 2022, um aumento de 12,5% em relação ao mesmo período do ano anterior. Dentre eles, 74,7% foram registrados como estupro de vulnerável, quando as vítimas são incapazes de consentir com o ato sexual. No acumulado dos quatro anos, mais de 112 mil mulheres foram estupradas no país, considerando apenas o primeiro semestre de cada ano.
A iniciativa do CNJ identifica ainda avanços com o aprimoramento da classificação dos crimes de gênero, em relação à responsabilização dos assassinos; e quanto às respostas ao fenômeno do feminicídio. “Se a violência extrema de gênero está corretamente qualificada, as respostas poderão ser mais eficazes”, acredita Amini Haddad.
O conteúdo da ferramenta foi produzido por especialistas em violência de gênero e se organiza em quatro tipos de informação: variáveis importantes para a análise de gênero; exemplos de palavras-chave que poderão estar presentes nos processos; verbetes com as informações para apoiar as análises; e referências da legislação e dos estudos de gênero que dão suporte aos verbetes. São verbetes para 200 palavras-chaves relevantes para a análise de gênero dos processos. O trabalho está publicado em formato de manual de implementação e está à disposição nas versões português e espanhol.
Sobre a Iniciativa Spotlight – Em setembro de 2017, a União Europeia em conjunto com as Nações Unidas lançaram uma iniciativa global focada na eliminação de todas as formas de violência contra mulheres e meninas. Para esse esforço, foram mobilizados cerca de 500 milhões de euros, o maior volume de recursos já operado pela instituição para esse tema. Três organismos da ONU apoiam sua implementação – o PNUD, o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e a ONU Mulheres – que atuam sob a supervisão do Escritório Executivo do Secretário-Geral da Nações Unidas. Na América Latina, a iniciativa está estruturada em seis eixos: (1) leis e políticas; (2) instituições; (3) prevenção; (4) serviços; (5) movimentos de mulheres; e (6) dados. O Brasil integra o esforço regional liderado pelo Centro Regional para a América Latina e o Caribe (RBLAC) do PNUD, com a produção de estudos e soluções aplicadas.