Iniciativa faz parte das ações do programa Fazendo Justiça, uma parceria entre CNJ e PNUD
Pesquisa revela barreiras no acesso de adolescentes do socioeducativo à documentação
21 de December de 2023
Somente 22% dos estados brasileiros têm projetos específicos para emissão de documentação de adolescentes envolvidos em atos infracionais. O dado faz parte da pesquisa “Diagnóstico da Emissão de Documentos Básicos no Sistema Socioeducativo: atendimento inicial e meio fechado”, realizada no âmbito do programa Fazendo Justiça, uma parceria entre Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e PNUD. Atualmente, cerca de 12 mil adolescentes cumprem medidas em meio fechado, e mais de 117 mil em meio aberto no Brasil.
Na pesquisa, ao serem indagados sobre a existência de projeto específico para a emissão de documentação de adolescentes a quem se atribua a prática de ato infracional, responderam positivamente os Estados de Goiás, Alagoas, Espírito Santo, São Paulo e Santa Catarina, além do Distrito Federal. Dezoito informaram não ter esse tipo de iniciativa. Os três estados que participaram do pré-teste – Ceará, Pernambuco e Rio de Janeiro – não foram questionados sobre esse aspecto.
O estudo aponta também que o acesso à Central de Informações do Registro Civil (CRC), sistema utilizado para localizar registros de nascimento, só está disponível em seis estados do país (22% das 27 Unidades Federativas) – Amazonas, Tocantins, Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro e Santa Catarina. Um ponto positivo identificado na pesquisa é a adesão de 74% dos estados à isenção de taxa para a emissão da 2ª via do RG, o que facilita o acesso à documentação para grupos mais vulnerabilizados – não dispõem de isenção Acre, Ceará, Mato Grosso do Sul, Paraná, Roraima, São Paulo e Tocantins. A pesquisa, lançada nesta semana, foi realizada entre outubro e dezembro de 2022.
Uma das principais recomendações do estudo é a necessidade de estabelecer convênios e fomentar legislações que garantam a gratuidade da documentação para jovens e adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa, seguindo práticas bem-sucedidas já adotadas em determinadas Unidades da Federação (UFs). “O CNJ conduziu o diagnóstico para mapear desafios no acesso à documentação civil de adolescentes no sistema socioeducativo, respeitando os princípios da prioridade absoluta e da proteção integral, conforme estabelecidos na Constituição Federal de 1988. O relatório é um chamado à ação. Nós, como sociedade, temos a responsabilidade de agir com base nessas descobertas para garantir que cada adolescente e jovem tenha acesso irrestrito aos documentos que são fundamentais para o exercício pleno da cidadania”, ressalta o juiz auxiliar da presidência do CNJ com atuação na área socioeducativa do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF), Edinaldo César Santos Junior.
“Viabilizar o acesso à documentação civil de adolescentes no âmbito do sistema socioeducativo é medida crucial para superarmos estigmas e, principalmente, evitar métodos invasivos de identificação compulsória, algo vedado pelo art. 109 do Estatuto da Criança e do Adolescente”, afirma o coordenador do DMF, Luís Lanfredi.
Ao informar que não foi identificado um modelo padrão entre as Unidades da Federação para os setores de emissão de documentos, a pesquisa destaca uma série de estratégias que podem ser adotadas pelas UFs para aprimorar o fluxo de emissão de documentos de jovens em cumprimento de medidas socioeducativas. Uma delas é reforçar, na educação dos adolescentes, uma compreensão aprofundada do papel dos documentos e sua conexão com os direitos civis, políticos, sociais e culturais.
Propõe, ainda, precauções para que os documentos emitidos não contenham elementos que possam identificar o adolescente em situação de cumprimento de medida socioeducativa, como fotos com uniformes específicos, visando preservar a privacidade e evitar estigmatização. Aponta também a necessidade de garantir o sigilo do processo socioeducativo, evitando a transferência de informações sobre o cumprimento de medidas aos órgãos emissores, com a importância do acompanhamento dos pais ou responsáveis em atendimentos presenciais para evitar identificação automática do adolescente.
Um dos temas contemplados no documento é o papel da tecnologia. Atualmente, a informatização de alguns serviços tem sido uma oportunidade para facilitar o fluxo de consulta, solicitação de documentos e agendamento de atendimentos, mas também um desafio diante do nível de exclusão digital a que está submetida a maioria dos adolescentes no sistema socioeducativo, o que torna as plataformas digitais largamente inacessíveis a esse público.
Coordenadora do eixo socioeducativo do programa Fazendo Justiça, Fernanda Givisiez avalia que o diagnóstico destaca a urgência de abordar as disparidades dos fluxos e implementar políticas que assegurem o pleno acesso de adolescentes no socioeducativo à documentação civil. ” No sistema socioeducativo, muitos dos adolescentes não têm acesso à documentação ou já tiveram e perderam. Não existem fluxos estabelecidos, o que acaba por dificultar o pleno exercício da cidadania a esses jovens. A partir desse diagnóstico, conseguimos perceber os gargalos e principais dificuldades para que possamos construir políticas públicas baseadas em evidências”.
"Viabilizar acesso à documentação civil para adolescentes no sistema socioeducativo é essencial para alcançar os objetivos da Agenda 2030, superando estigmas e promovendo cidadania. É urgente estabelecer fluxos eficientes e políticas baseadas em evidências para garantir plenos direitos aos jovens em cumprimento socioeducativo”, reforça a gerente de projetos do PNUD Gehysa Garcia.
Com oito ações simultâneas voltadas ao sistema socioeducativo, o Programa Fazendo Justiça concentra esforços na qualificação da atuação judiciária, desde o atendimento inicial até a saída do adolescente do sistema socioeducativo, com o objetivo de evitar a aplicação excessiva de medidas restritivas de liberdade, prevenir a superlotação das unidades socioeducativas e promover a garantia dos direitos fundamentais dos adolescentes e jovens.
Dados de 2023 do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, divulgados neste mês pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, indicam um total de 11.556 adolescentes inseridos ao sistema socioeducativo nas modalidades de restrição e privação de liberdade, com importante redução em comparação ao último levantamento de 2017, que registrou 24.803 pessoas.
Entre as pessoas em cumprimento de medida socioeducativa, 95,6% são do sexo masculino e 4,4% do sexo feminino. A maioria dos adolescentes declarou-se como parda/preta (63,8%), brancos (22,3%), seguidos de amarelos, indígenas e quilombolas com porcentagens menores.